"O rapaz entrou no prédio em passadas de bêbado, tropeçou no pequeno degrau da portaria, quase caiu. Falava muito, a voz se arrastava, o corpo exalava cerveja e cachaça, os cabelos pareciam sujos de talco misturado com ketchup. A julgar pelos sinais, a farra tinha sido boa. Contou-me que voltava da comemoração do último dia de aula. Ele nem acreditava que não havia mais reposição nem provas, apenas a formatura o aguardava, após cinco anos de faculdade de engenharia. Já alugara o capelo e o modelito de formando com a capa de Batman, traje agora exigido na cerimônia. As fotografias oficiais estavam prontas. Os convites, distribuídos. Em sua camiseta, coberta de desenhos e bocas de batom, três palavras escritas com esferográfica me chamaram a atenção: Amigos para Sempre. Abaixo, uma dúzia de assinaturas.

O rapaz ainda não se deu conta, mas o término das aulas é a semente de uma grande saudade. Todo novembro e dezembro, época em que as despedidas e formaturas se concentram, novas turmas iniciam a rotina de trabalho, e cada pessoa toma seu rumo, com frequência longe de Belo Horizonte. Com o passar do tempo, talvez devido ao aumento das responsabilidades que a vida impõe, talvez pelo avanço da idade, o espírito irreverente do jovem se vai, e entram em campo a sisudez, a reserva, o ar de decano. Claro, há quem não se deixe dominar tão cedo pelo peso do compromisso, mas a maioria acaba cedendo. Então surge a nostalgia. O profissional se lembra dos anos de faculdade, recorda o espírito livre, leve e solto do último dia de aula, e a saudade chega. O tempo não poupa nem a mais elevada autoestima.
As reuniões de turma são um remédio eficaz, porém de curta duração, para essa saudade. Nem bem os colegas se reencontram, trocam abraços, tateiam assuntos, reconhecem-se, avançam. Dali a minutos, o antigo clima de camaradagem desponta, os anos se apagam, a conversa rola, a memória se instala, triunfante: baixam as lembranças, baixam os casos e causos, baixa a juventude que escapou em ritmo de Usain Bolt. Os amigos se ancoram no passado, em episódios que jamais mudarão, em histórias que, ano após ano, serão repetidas à exaustão, sobretudo as mais engraçadas. Elas serão o referencial permanente, o graal revisitado. Livres da formalidade, alguns dos presentes ao encontro ensaiam um retorno no tempo: viram adolescentes. Os mais circunspectos, mais idosos do que merecem, os repreendem. Os outros riem. Aqui e ali, despontam os desgarrados: o economista que virou cineasta, o dentista que se tornou fazendeiro, o médico que explora hotel.
Imaginemos o formando de hoje, aquele da camiseta com as três palavras, numa reunião com os colegas de engenharia daqui a quarenta anos. Um deles, suponhamos que seu nome seja Eduardo, tomou a generosa iniciativa de reuni-los, procurando-os mundo afora. Muitos não se viam desde o porre da última comemoração. Transformaram-se em senhores calvos, os cabelos brancos dominam os poucos que ainda sobram, uma barriguinha decerto apareceu, os gestos tornaram-se mais comedidos. Alguns acreditam tanto no casamento que trazem a sexta esposa, ou esposo. No entanto, apesar das décadas decorridas, as diferenças logo desaparecem, o passado se instala, todos voltam a ser os jovens adultos que um dia se despediram escrevendo mensagens nas camisetas que já não existem, porém as três palavras permanecem para selar o convívio: Amigos para Sempre. Se o corpo não vence o tempo, há sentimentos que permanecem incólumes. A amizade é um deles."
Fonte: http://vejabh.abril.com.br/edicoes/amigos-sempre-722545.shtml

O rapaz ainda não se deu conta, mas o término das aulas é a semente de uma grande saudade. Todo novembro e dezembro, época em que as despedidas e formaturas se concentram, novas turmas iniciam a rotina de trabalho, e cada pessoa toma seu rumo, com frequência longe de Belo Horizonte. Com o passar do tempo, talvez devido ao aumento das responsabilidades que a vida impõe, talvez pelo avanço da idade, o espírito irreverente do jovem se vai, e entram em campo a sisudez, a reserva, o ar de decano. Claro, há quem não se deixe dominar tão cedo pelo peso do compromisso, mas a maioria acaba cedendo. Então surge a nostalgia. O profissional se lembra dos anos de faculdade, recorda o espírito livre, leve e solto do último dia de aula, e a saudade chega. O tempo não poupa nem a mais elevada autoestima.
As reuniões de turma são um remédio eficaz, porém de curta duração, para essa saudade. Nem bem os colegas se reencontram, trocam abraços, tateiam assuntos, reconhecem-se, avançam. Dali a minutos, o antigo clima de camaradagem desponta, os anos se apagam, a conversa rola, a memória se instala, triunfante: baixam as lembranças, baixam os casos e causos, baixa a juventude que escapou em ritmo de Usain Bolt. Os amigos se ancoram no passado, em episódios que jamais mudarão, em histórias que, ano após ano, serão repetidas à exaustão, sobretudo as mais engraçadas. Elas serão o referencial permanente, o graal revisitado. Livres da formalidade, alguns dos presentes ao encontro ensaiam um retorno no tempo: viram adolescentes. Os mais circunspectos, mais idosos do que merecem, os repreendem. Os outros riem. Aqui e ali, despontam os desgarrados: o economista que virou cineasta, o dentista que se tornou fazendeiro, o médico que explora hotel.
Imaginemos o formando de hoje, aquele da camiseta com as três palavras, numa reunião com os colegas de engenharia daqui a quarenta anos. Um deles, suponhamos que seu nome seja Eduardo, tomou a generosa iniciativa de reuni-los, procurando-os mundo afora. Muitos não se viam desde o porre da última comemoração. Transformaram-se em senhores calvos, os cabelos brancos dominam os poucos que ainda sobram, uma barriguinha decerto apareceu, os gestos tornaram-se mais comedidos. Alguns acreditam tanto no casamento que trazem a sexta esposa, ou esposo. No entanto, apesar das décadas decorridas, as diferenças logo desaparecem, o passado se instala, todos voltam a ser os jovens adultos que um dia se despediram escrevendo mensagens nas camisetas que já não existem, porém as três palavras permanecem para selar o convívio: Amigos para Sempre. Se o corpo não vence o tempo, há sentimentos que permanecem incólumes. A amizade é um deles."
Fonte: http://vejabh.abril.com.br/edicoes/amigos-sempre-722545.shtml
Que coisa MAR LINDA, Du! E é isso mesmo, eu me lembro sempre e sinto saudade de chegar naquele lugar que era meu e eu gostava de pertencer, mas gostava porque ele era um lugar compartilhado com vocês. Aquele clima gostoso e conhecido de quem vai chegar atrasado com cara de tacho, de quem vai fazer piadinha fora de hora, de quem vai falar de suas vivências, da enciclopéida para dar exemplos, de quem vai soltar o "vão tomá uma hj?!", dos amigos próximos, dos nem tão chegados, mas todos muito bacanas. Encontrar e reencontrar é reviver esse pertencimento tão gostoso que tivemos, e cultivar novos compartilhamentos para daqui pra frente. Outro dia, o Milton Nascimento falou ao Fantástico "no que viu da vida" : "Cuidar da amizade é uma das coisas mais importantes da vida". Beijos!!!
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