quarta-feira, 8 de maio de 2013

O marxista saudoso da cultura burguesa


O marxista saudoso da cultura burguesa

                Quando o historiador britânico Eric Hobsbawm morreu de pneumonia, em primeiro de outubro de 2012, aos 95 anos, consagrado e cercado por mulher e três filhos, não demonstrava sossego nem resignação. Ainda fazia planos de publicar novos livros. Ocupava-se, entre outros assuntos, do futuro da arte e da cultura no século XXI. Não se conformava com a decadência que as artes plásticas e a literatura experimentaram na era do consumo de massa e se dizia perplexo com a consolidação da internet. Ainda assim, esforçava-se para entender o que acontecera com tudo que aprendera a amar: o jazz, a ópera, os festivais literários, o futebol e o ideal de revolução preconizado pelos pensadores marxistas, seus mestres.
                Foi misturando pessimismo crítico e esperança humanista que ele concluiu aquela que viria a ser sua obra póstuma, Tempos fraturados – Cultura e sociedade no século XX, lançada em março no Reino Unido e nesta semana no Brasil. A coletânea de 22 textos, entre ensaios, conferências e artigos escritos entre 1964 e 2012, trata da relação entre arte e política no século XX e seus efeitos sobre o novo milênio. (...)
                Hobsbawm foi, para emprestar termos que deram título a seus livros, um dos raros representantes da “era dos impérios” a ter atravessado o “breve século XX” e testemunhado o triunfo avassalador da sociedade da informação. Ele herdou uma visão de mundo – o iluminismo de esquerda – que o século XX praticamente destruiu. Isso explica, em larga medida, seu mau humor e seu desencanto dos últimos anos. Eles se manifestavam, sob o verniz da educação, nas conversas com colegas e jornalistas. No fim da carreira, ganhou fama como o homem que encurtou o século XX. Isso, antes mesmo de o século ter acabado oficialmente.  (...) Esse século “catastrófico” – prensado entre o peso do passado e a sombra do futuro – durou para Hobsbawm apenas 75 anos. (...)
                Mesmo angustiado com o futuro de um tipo de cultura que o formara, o revolucionário saudoso, marxista, aristocrático, profeta e ao mesmo tempo celebridade pop despediu-se torcendo pelas mudanças da história – que, ele sabia, jamais deixaram de ocorrer, sempre em direções inesperadas.

GIRON, Luís Antônio. Revista Época, n.780, mai/2013