O marxista saudoso da
cultura burguesa
Quando
o historiador britânico Eric Hobsbawm morreu de pneumonia, em primeiro de
outubro de 2012, aos 95 anos, consagrado e cercado por mulher e três filhos,
não demonstrava sossego nem resignação. Ainda fazia planos de publicar novos
livros. Ocupava-se, entre outros assuntos, do futuro da arte e da cultura no
século XXI. Não se conformava com a decadência que as artes plásticas e a
literatura experimentaram na era do consumo de massa e se dizia perplexo com a
consolidação da internet. Ainda assim, esforçava-se para entender o que
acontecera com tudo que aprendera a amar: o jazz, a ópera, os festivais
literários, o futebol e o ideal de revolução preconizado pelos pensadores
marxistas, seus mestres.
Foi
misturando pessimismo crítico e esperança humanista que ele concluiu aquela que
viria a ser sua obra póstuma, Tempos
fraturados – Cultura e sociedade no século XX, lançada em março no Reino
Unido e nesta semana no Brasil. A coletânea de 22 textos, entre ensaios,
conferências e artigos escritos entre 1964 e 2012, trata da relação entre arte
e política no século XX e seus efeitos sobre o novo milênio. (...)
Hobsbawm
foi, para emprestar termos que deram título a seus livros, um dos raros
representantes da “era dos impérios” a ter atravessado o “breve século XX” e
testemunhado o triunfo avassalador da sociedade da informação. Ele herdou uma
visão de mundo – o iluminismo de esquerda – que o século XX praticamente
destruiu. Isso explica, em larga medida, seu mau humor e seu desencanto dos
últimos anos. Eles se manifestavam, sob o verniz da educação, nas conversas com
colegas e jornalistas. No fim da carreira, ganhou fama como o homem que
encurtou o século XX. Isso, antes mesmo de o século ter acabado
oficialmente. (...) Esse século
“catastrófico” – prensado entre o peso do passado e a sombra do futuro – durou para
Hobsbawm apenas 75 anos. (...)
Mesmo
angustiado com o futuro de um tipo de cultura que o formara, o revolucionário
saudoso, marxista, aristocrático, profeta e ao mesmo tempo celebridade pop
despediu-se torcendo pelas mudanças da história – que, ele sabia, jamais
deixaram de ocorrer, sempre em direções inesperadas.
GIRON, Luís Antônio. Revista Época, n.780, mai/2013