quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Joelmir Beting - Despedida do filho, Mauro. (com aúdio)


"Nunca falei com meu pai a respeito depois que o Palmeiras foi rebaixado. Sei que ele soube. Ou imaginou. Só sei que no primeiro domingo depois da queda para a Segunda pela segunda vez, seu Joelmir teve um derrame antes de ver a primeira partida depois do rebaixamento. Ele passou pela tomografia logo pela manhã. Em minutos o médico (corintianíssimo) disse que outro gigante não conseguiria se reerguer mais”.

No dia do retorno à segundona dos infernos meu pai começou a ir para o céu. As chances de recuperação de uma doença autoimune já não eram boas. Ficaram quase impossíveis com o que sangrou o cérebro privilegiado. Irrigado e arejado como poucos dos muitos que o conhecem e o reconhecem. Amado e querido pelos não poucos que tiveram o privilégio de conhecê-lo.

O melhor pai que um jornalista pode ser. O melhor jornalista que um filho pode ter como pai.

Preciso dizer algo mais para o melhor Babbo do mundo que virou o melhor Nonno do Universo?

Preciso. Mas não sei. Normalmente ele sabia tudo. Quando não sabia, inventava com a mesma categoria com que falava sobre o que sabia.

Todo pai é assim para o filho. Mas um filho de jornalista que também é jornalista fica ainda mais órfão.

Nunca vi meu pai como um super-herói. Apenas como um humano super. Só que jamais imaginei que ele pudesse ficar doente e fraco de carne. Nunca admiti que nós pudéssemos perder quem só nos fez ganhar.

Por isso sempre acreditei no meu pai e no time dele. O nosso.

Ele me ensinou tantas coisas que eu não sei. Uma que ficou é que nem todas as palavras precisam ser ditas. Devem ser apenas pensadas. Quem fala o que pensa não pensa no que fala. Quem sente o que fala nem precisa dizer.

Mas hoje eu preciso agradecer pelos meus 46 anos. Pelos 49 de amor da minha mãe. Pelos 75 dele.

Mais que tudo, pelo carinho das pessoas que o conhecem, logo gostam dele. Especialmente pelas pessoas que não o conhecem, e algumas choraram como se fosse um velho amigo.

Uma coisa aprendi com você, Babbo. Antes de ser um grande jornalista é preciso ser uma grande pessoa.

Com ele aprendi que não tenho de trabalhar para ser um grande profissional. Preciso tentar ser uma grande pessoa. Como você fez as duas coisas.

Desculpem, mas não vou chorar. Choro por tudo. Por isso choro sempre pela família, Palmeiras, amores, dores, cores, canções.

Mas não vou chorar por algo mais que tudo que existe no meu mundo que são meus pais. Meus pais, que também deveriam se chamar minhas mães, sempre foram presentes. Um regalo divino.

Meu pai nunca me faltou mesmo ausente de tanto que trabalhou. Ele nunca me falta por que teve a mulher maravilhosa que é dona Lucila. Segundo seu Joelmir, a segunda maior coisa da vida dele. Que a primeira sempre foi o amor que ele sentiu por ela desde 1960. Quando se conheceram na rádio 9 de julho. Onde fizeram família. Meu irmão e eu. Filhos do rádio.

Filhos de um jornalista econômico pioneiro e respeitado, de um âncora de TV reconhecido e inovador, de um mestre de comunicação brilhante e trabalhador.

Meu pai.

Eu sempre soube que jamais seria no ofício algo nem perto do que ele foi. Por que raros foram tão bons na área dele. Raríssimos foram tão bons pais como ele. Rarésimos foram tão bons maridos. Rarissíssimos foram tão boas pessoas. E não existe outra palavra inventada para falar quão raro e caro palmeirense ele foi.

Mas sempre é bom lembrar que palmeirenses não se comparam. Não são mais. Não são menos. São Palmeiras. Basta.

Como ele um dia disse no anúncio da nova arena, em 2007, como esteve escrito no vestiário do Palmeiras no Palestra, de 2008 até a reforma: “explicar a emoção de ser palmeirense a um palmeirense é totalmente desnecessário. E a quem não é palmeirense… é simplesmente impossível!.
A ausência dele não tem nome. Mas a presença dele ilumina de um modo que eu jamais vou saber descrever. Como jamais saberei escrever o que ele é. Como todo pai de toda pessoa. Mais ainda quando é um pai que sabia em 40 segundos descrever o que era o Brasil. E quase sempre conseguia. Não vou ficar mais 40 frases tentando descrever o que pude sentir por 46 anos.

Explicar quem é Joelmir Beting é desnecessário. Explicar o que é meu pai não estar mais neste mundo é impossível.

Nonno, obrigado por amar a Nonna. Nonna, obrigado por amar o Nonno.
Os filhos desse amor jamais serão órfãos.

Como oficialmente eu soube agora, 1h15 desta quinta-feira, 29 de novembro. 32 anos e uma semana depois da morte de meu Nonno, pai da minha guerreira Lucila.

Joelmir José Beting foi encontrar o Pai da Bola Waldemar Fiume nesta quinta-feira, 0h55."
Mauro Beting



quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Amigos para sempre (Luís Giffoni)



"O rapaz entrou no pré­­­dio em passadas de bêbado, tropeçou no pequeno degrau da portaria, quase caiu. Falava muito, a voz se arrastava, o corpo exalava cerveja e cachaça, os cabelos pareciam sujos de talco misturado com ketchup. A julgar pelos sinais, a farra tinha sido boa. Contou-me que voltava da comemoração do último dia de aula. Ele nem acreditava que não havia mais re­­posição nem provas, apenas a formatura o aguardava, após cinco anos de faculdade de engenharia. Já alugara o capelo e o modelito de formando com a capa de Batman, traje agora exigido na cerimônia. As fotografias oficiais estavam prontas. Os convites, distribuídos. Em sua camiseta, coberta de desenhos e bocas de batom, três palavras escritas com esferográfica me chamaram a atenção: Amigos para Sempre. Abaixo, uma dúzia de assinaturas.

O rapaz ainda não se deu conta, mas o término das aulas é a semente de uma grande saudade. Todo novembro e dezembro, época em que as despedidas e formaturas se concentram, novas turmas iniciam a rotina de trabalho, e cada pessoa toma seu rumo, com frequência longe de Belo Horizonte. Com o passar do tempo, talvez devido ao aumento das responsabilidades que a vida impõe, talvez pelo avanço da idade, o espírito irreverente do jovem se vai, e entram em campo a sisudez, a reserva, o ar de decano. Claro, há quem não se deixe dominar tão cedo pelo peso do compromisso, mas a maioria acaba cedendo. Então surge a nostalgia. O profissional se lembra dos anos de faculdade, recorda o espírito livre, leve e solto do último dia de aula, e a saudade chega. O tempo não poupa nem a mais elevada autoestima.

As reuniões de turma são um remédio eficaz, porém de curta duração, para essa saudade. Nem bem os colegas se reencontram, trocam abraços, tateiam assuntos, reconhecem-se, avançam. Dali a minutos, o antigo clima de camaradagem desponta, os anos se apagam, a conversa rola, a memória se instala, triunfante: baixam as lembranças, baixam os casos e causos, baixa a juventude que escapou em ritmo de Usain Bolt. Os amigos se ancoram no passado, em episódios que jamais mu­­­darão, em histórias que, ano após ano, serão repetidas à exaustão, sobretudo as mais engraçadas. Elas serão o referencial permanente, o graal revisitado. Livres da formalidade, alguns dos presentes ao encontro ensaiam um retorno no tempo: viram adolescentes. Os mais circunspectos, mais idosos do que merecem, os repreendem. Os outros riem. Aqui e ali, despontam os desgarrados: o economista que virou cineasta, o dentista que se tornou fazendeiro, o médico que explora hotel.

Imaginemos o formando de hoje, aquele da camiseta com as três palavras, numa reunião com os colegas de engenharia daqui a quarenta anos. Um deles, suponhamos que seu nome seja Eduardo, tomou a generosa iniciativa de reuni-los, procurando-os mundo afora. Muitos não se viam desde o porre da última comemoração. Transformaram-se em senhores calvos, os cabelos brancos dominam os poucos que ainda sobram, uma barriguinha decerto apareceu, os gestos tornaram-se mais comedidos. Alguns acreditam tanto no casamento que trazem a sexta esposa, ou esposo. No entanto, apesar das décadas decorridas, as diferenças logo desaparecem, o passado se instala, todos voltam a ser os jovens adultos que um dia se despediram escrevendo mensagens nas camisetas que já não existem, porém as três palavras permanecem para selar o convívio: Amigos para Sempre. Se o corpo não vence o tempo, há sentimentos que permanecem incólumes. A amizade é um deles."
Fonte: http://vejabh.abril.com.br/edicoes/amigos-sempre-722545.shtml

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Navio Negreiro - Castro Alves




Navio Negreiro
                       (Castro Alves)

"(...) Era um sonho dantesco... o tombadilho  
Que das luzernas avermelha o brilho. 
Em sangue a se banhar. 
Tinir de ferros... estalar de açoite...  
Legiões de homens negros como a noite, 
Horrendos a dançar... 

Negras mulheres, suspendendo às tetas  
Magras crianças, cujas bocas pretas  
Rega o sangue das mães:  
Outras moças, mas nuas e espantadas,  
No turbilhão de espectros arrastadas, 
Em ânsia e mágoa vãs! 

E ri-se a orquestra irônica, estridente... 
E da ronda fantástica a serpente  
Faz doudas espirais ... 
Se o velho arqueja, se no chão resvala,  
Ouvem-se gritos... o chicote estala. 
E voam mais e mais... 

Presa nos elos de uma só cadeia,  
A multidão faminta cambaleia, 
E chora e dança ali! 
Um de raiva delira, outro enlouquece,  
Outro, que martírios embrutece, 
Cantando, geme e ri! 

No entanto o capitão manda a manobra, 
E após fitando o céu que se desdobra, 
Tão puro sobre o mar, 
Diz do fumo entre os densos nevoeiros: 
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros! 
Fazei-os mais dançar!..." 

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . . 
E da ronda fantástica a serpente 
Faz doudas espirais... 
Qual um sonho dantesco as sombras voam!... 
Gritos, ais, maldições, preces ressoam! 
          E ri-se Satanás!...  (...)"


 
 

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Isto - Fernando Pessoa - Contribuição da Pâmela Machado..




 

ISTO

Dizem que finjo ou minto 
Tudo que escrevo. Não. 
Eu simplesmente sinto 
Com a imaginação. 
Não uso o coração. 

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda, 
É como que um terraço 
Sobre outra coisa ainda. 
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio 
Do que não está ao pé, 
Livre do meu enleio, 
Sério do que não é. 
Sentir? Sinta quem lê! 

(Fernando Pessoa)