terça-feira, 25 de setembro de 2012

A Sombra do Vento


"Uma tarde de chuva na encosta leste do cemitério de Montijuic, olhando o mar em meio a um bosque de mausoléus impossíveis, um bosque de cruzes e lápides talhadas com rostos de caveiras e crianças sem lábios nem olhar, que fedia a morte, as silhuetas de uma vintena de adultos dos quais eu só conseguia me lembrar das roupas pretas, empapadas de chuva, e a mão do meu pai segurando a minha com força excessiva, como se assim ele quisesse silenciar suas lágrimas, enquanto as palavras ocas de um sacerdote caíam naquela fossa de mármore para dentro da qual três coveiros sem rosto empurravam um caixão cinzento onde o aguaceiro deslizava como cera fundida e onde eu acreditava ouvir a voz da minha mãe, chamando-me, suplicando para eu libertá-la daquela prisão de pedra e de escuridão, enquanto eu só conseguia tremer e murmurar sem voz para meu pai não apertar tanto a minha mão, pois estava me machucando, e aquele cheiro de terra fresca, terra de cinza e de chuva, devorava tudo, cheiro de morte e de vazio." (...)

ZÁFON, Carlos Ruiz. A Sombra do Vento. Tradução de Marcia Ribas. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2007, p. 251.