
Os Jogos ressurgem neste belo dia de sol e caem justamente na primeira lua cheia seguinte ao solstício do verão. Respeita-se, assim, o ritual dos Jogos, criados pelo rei Penélope para homenagear os camponeses, durante a colheita das uvas.
O dia está nascendo em Olímpia. Já começa a chegar muita gente ao estádio. À primeira vista, a pequena multidão lembra um bloco fantasiado de grego no carnaval carioca. Vestem todos saiotes e túnica, com uma discreta tiara de pano cingindo a cabeça. Não vejo uma só mulher na torcida. Fídias me explica: é proibido! Mulher não pode assistir aos Jogos. A única que tentou driblar a lei foi a mãe de um atleta. Ela era treinadora do próprio filho e entrou na pista disfarçada de homem. Descobriram e foi o diabo! A pobrezinha só não morreu atirada num precipício porque era filha de um herói de guerra. Mas, desde então, para evitar novas astúcias femininas, o atleta é obrigado a competir nuzinho em pelo. Na pista, seja atleta, treinador ou mesmo juiz, a ordem é todo mundo nu.
A idéia de realizar os Jogos Olímpicos da Antiguidade de quatro em quatro anos é rebento de muitos pais. Um deles teria sido Hércules. Corre em Atenas que, um dia, Augias, rei de Élida, confiou ao gigante Hércules a tarefa de limpar os mal-cheirosos currais da cidade. E prometeu recompensá-lo com um saco de ouro. Hércules, então, meteu mãos à obra: escancarou as porteiras dos estábulos, soltou os três mil bois que lá viviam porcamente e, com a força gigantesca que os deuses nunca lhe negaram, desviou o leito do rio Alfeu, fazendo que a correnteza arrastasse em poucas horas toda a sujeira dos estábulos. Foi a primeira obra realmente hercúlea de uam criatura humana.
Na hora de honrar a palavra, o rei Augias roeu a corda. Disse que não ficara nada satisfeito com o resultado do trabalho. Hércules, com toda razão, virou uma fera e, sem mais aquela, despachou o monarca, cravando-lhe no peito uma lança mortal. Por sinal, a mesma lança com a qual matara, dias antes, o leão de Nemeas. No dia seguinte, Hércules celebraria a façanha, disputando com os quatro irmãos, uma corrida de 600 pés de distância.
Hoje, não haverá competição. O programa limita-se à abertura dos Jogos, com o juramento dos juízes e dos atletas. Amanhã, a disputa começa com o Pentatlo. Meu amigo Fídias, um verdadeiro apóstolo dessa religião chamada olimpismo, sabe-se de cór o regulamento dos Jogos. São 14 artigos, o primeiro dos quais reza que escravos e estrangeiros não podem competir; o quinto proíbe mulher de assistir aos Jogos; o sétimo diz que nenhum atleta pode matar seu adversário; o décimo terceiro avisa que qualquer participante tem direito de recorrer ao Senado, em Atenas, contra a decisão dos juízes.
São oito da noite. Estou exausto, Fídias também. A cerimônia de inauguração dos Jogos Olímpicos foi bem o que imaginávamos. Um espetáculo solene e emocionante que terminou com um belo entardecer: de um lado, o sol deitando no céu uma colossal vermelhidão; do outro lado, a lua chegando, olimpicamente.
(Armando Nogueira)
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